quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Desalinho


a vida nada mais é que uma solitária linha reta entre 
dois pontos:
a solidão de nascer e a solidão de morrer. 
e só.


* Imagem: Lunch (1964), de George Tooker.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Haicai #7 - Perspectivas


O mar é o mesmo, a visão não. 
O pescador vê a vida.
O poeta, solidão.


*Imagem: Night (1964), de John Koch.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Ex-cesso


a P. Leminski

das coisas que não sei,
das que duvido:
futuro, deus,
a morte - sorte ou perigo?
apenas uma 
me corta o coração:
é o amor,
que quando sobra, falta.

ilusão.


*Imagem: Lucifer (1889-1890), de Franz von Stuck.

sábado, 9 de maio de 2015

Desjejum


O prato posto
A face rubra
Os olhos fundos
A pele rasa
A casa arrasa
A pele em brasa 
Os olhos tortos
A face magra
O prato amarga


*Imagem: Presencia inquietante (1956), de Remedios Varo.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

de profundis


a paulo valente

sou o avesso disso que se me posta aos olhos
ante o espelho.
sou o que passa.
a imagem, o que fica.

sou o que fui, o sendo e o que serei.
sou o que não sei.
o que flutua errante no mar bravio que escondo em mim.
esse que vês é outro, é estorvo,
é náusea,
é a sombra que me persegue em vão e te confundes.

mas não te iludas, ou te iludas 
se assim te apetece,
só não ouses enclausurar-me em ti demasiadamente.

já bastam as minhas cadeias.
já bastam as cordas que, sorrateiras,
seduzem-me para enlaçar-me ao alto.
já basta o murmúrio rouco
que me tenta, me contenta, me maltrata.

já basta.

não me mato, sei, pois morrer também me cansa
já que se morre indefinidamente
e tudo que se segue indefinido é um cansaço.

é no avesso do compasso que oiço a melodia que não toca.
sou o mistério escondido no contrário.
sou o ruído, o improviso,

sou improvável.

é quando passo de largo à rua e vejo, alheio, os que se vão
que me sinto lúcido deveras.
ali, só ali, sei que aonde ir não há.
eis tudo o que temos: o ir,
jamais chegar.

ah!, coração-infante, não te apequenes tanto.
Não te avexes!
eis a vida, eis tudo: o nada.

tanto esta angústia que te engole
quanto o trago que rejeitas,

tanto o vento, os reis, o afago, a sarjeta
quanto aquele que dividiu o tempo em antes e depois de si...

–  vê! –  está tudo posto no mesmo bojo:

tudo é nada.
tudo é poeira.
tudo é maçada.

*Imagem: Estudio académico (1895), de Pablo Picasso.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Alheamento


morrer
como as palavras
à sombra do silêncio

como a carroça 
no asfalto, teimar
em errar o tempo

seguir alheio entre as gentes
qual fantasia de brincante
às cinzas do 
carnaval

e me pegar contente
deslumbrado
ante essa vida tão 
banal

*Imagem: El perro (1819-1823), de Francisco de Goya.


sábado, 14 de fevereiro de 2015

Trinta e dois


O espelho, teimoso,

sorri e finge.
É que tardio bebo
dos goles de velhice.
Mas o tempo se agarra em mim,
me fere as costas,
e aos tropeços 
evito olhar o que se perdeu.

Sinto-me lúcido agora,
com a lucidez cândida
dos que estão a morrer.
Hoje sei que placidamente
passo e findo
qual 'ma vaga sobre o rochedo:
enorme, efêmera
e sem porquê.

*Imagem: Absinth drinker (1898), de László Mednyánszky

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Haicai #4 - Andor


Leve como a andorinha,
Carrego em mim
A dor minha.

*Imagem: Jeune fille mangeant un oiseau - Le Plaisir (1927), de Rene Magritte.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Vermelho


São os últimos filhos de Midas
que, misteriosos, revelam-te.
És mais que necessitas.
Transbordas!
E o sangue que em mim 
derramas aos olhos
cobrem-te como um véu
e o céu, 
azul, inveja-te até escurecer
frio, entediado,
pois como tu
não há.
Nem haverá.
Jamais.

*Imagem: Anunciação (2014), de Natan de Sousa.