domingo, 24 de junho de 2012

Pinhões




Na cadência triste do chorinho
Ao longe
Paro.
Raros são os dias em que os oiço,
Esses cantantes.
Brincam, braços dados,
Dão-se.
É tão vago o dar-se assim...
Mas eis que riem – e como riem! –,
Fingem bem essa tal felicidade.

Varo a noite e os sorrisos,
Por um instante entrecortados,
De repente calam.
A festa acabou deveras,
Os goles se foram no suor.
E as mulatas, com os homens
Agora seus,
Desfazem-se em gemidos
No prédio caiado da rua de baixo.
E ali, no salão,
Junto com os ratos,
As sobras,
As sombras,
Os vômitos e as lembranças vagas,
Ficaram eles,
Os velhos de muletas sem mulatas.
E aqui, do meu quarto,
Já não oiço nada,
Mas não me furto de ali estar.
Vazio, aquele salão
Triste, enfim
Sou eu.

* Imagem: Summer in the City (1950), de Edward Hopper.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Dia dos namorados I




O escarlate que me banha
à madrugada
vem sorrateiro, aquece e amansa
o corpo insone.
Não sei pra onde vai.
Nem perguntei seu nome.
Mas vem,
me cobre, beija, suja e some.

Não sei ao certo
como sei da cor.
Foi ela quem me disse, eu acho...
– Excesso de pudor?
Não sei, talvez...
A mim seria cor de neve.
– Ou foi o sangue e o pus que lhe manchou?

Sei que incomoda
e faço uma prece estranha
pra afagar tal dor pungente
que me lanha
e me acompanha noite e dia
e me consome.
É a dor da ausência,
dor da morte,
dor cansada.
É a dor de quem te quer,
desejo,
dor da fome.

* Imagem: The kiss (1907-1908), Gustav Klimt