quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A árvore


na esquina de minha rua
tem uma árvore que ignoro a espécie.
tão velha,
firme e
serena
que me embota a vista
e não sei bem o porquê.
dou de ombros 
sempre que passo por ela — 
talvez me seja um estorvo
envelhecer assim sem dar por isso.

tal qual a árvore que ignoro a espécie, sou velho.

velho, claro, só na alma 
e nos cabelos a branquear precocemente.
no entanto, nunca soube o que é permanecer
assim
nem jamais me coube aos ombros
essa suavidade ignorada de dias.

quando cai a noite,

a árvore dali da esquina 
tem estado bem iluminada pelas luzes da cidade.
aqui, entretanto, outro engodo:
ela não se percebe sob as luzes
e nem dá conta da beleza do verde robusto de suas folhas parcas.

sei, contudo, que também sou assim:

iluminado, sem saber pelo que, e
belo, sem perceber.
também estou anoitecido em mim
mas aqui uma diferença: da noite de meus dias eu sei.

a árvore da esquina de minha rua

e da qual ignoro a espécie
não me sorri deveras
tampouco eu dedico a ela uma simpatia qualquer.
somos alheios um ao outro
e nisso, talvez, mais um contato:
velhos,
ignoramos aquilo que vai ao nosso lado.

mas

ela permanece,
eu passo.
ela, serena.
eu, estardalhaço.


* Imagem: The moonlight bed (2002), de Jacek Yerka.

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