[Desejo]
a Florbela Espanca
O som dos passos calmos, decadentes,
Tilintam em meus olhos cor de fogo
E vou soturno, ralo, entre as gentes
Sentindo o peso pardo do teu jogo.
Quem dera ter-te em minhas mãos insones
Nem que fosse por um momento apenas...
Só de pensar meu ser já me condena!
Só de te ver meu corpo me consome!
Não vou dormir, ó purulenta noite,
Nem me entregar ao meu desejo infame!
Quero vestir m’as costas de açoites,
Cobrindo m’a vergonha de pudores!
Vou me esbaldar nas poças do meu sangue
’té que de mim tu te desabotoes...
* Imagem: Nu féminin assis (1917), Amadeo Modigliani.