sábado, 8 de novembro de 2014

Haraquiri


Quem dera 
o gládio 
me acarinhasse a pele
tocando-me como quem 
quer possuir-me

Quem dera
fosse 
forte, intenso e breve
de modo que eu
não resistisse

Quem dera tu 
não me abandonasses

Quem dera eu 
não desistisse
2007

* Imagem: A incredulidade de São Tomé (1602), de Caravaggio.

Cortejo


Olhos secos
tais quais as bocetas velhas
das carolas que descem
o cortejo fúnebre
do filho bastardo do seu Menelau

Não sei como posso viver assim
pensando naquelas bocetas malcheirosas
olhando esse cortejo ignóbil
Sem um pingo de pena do seu Menelau
e com os olhos secos
2010

* Imagem: detalhe do olho de São João no quadro 
A descida da cruz (1436), de Roger van der Weyden.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Azia


O sorriso que calo no fundo dessa alma turrona que carrego 
[acorrentado às asas do meu ser
Me vem do gole que dou sedento nessa felicidade liquida 
[exposta selvagemente nas prateleiras do seu Zé.
É, está difícil, amigo, eu sei.
Sem ela, a azia me invade, me arde, me come, me parte.
A azia de ser, tão-somente ser.
Ser como uma chuva de verão: 
Intensa, imensa, sem sentido algum, passageira.

É verão 
E não dá praia.
É sertão 
E não dá pé.
É solidão.
É, mas não é.

*Imagem: A grande onda de Kanagawa (1830-1833), de Katisushika Hokusai