Sempre que uns putos aqui de frente
Danam-se a falar de deus
E a cantar
E a chorar cantando,
Aos gritos,
Eu fico cá
Ressabiado, carrancudo e triste
Por ter de ouvi-los deveras
E, transtornado,
Surpreender-me pensando
Nesse deus qualquer
E suas colunas de fogo
E seus anjos vingadores
E seus milagres mesquinhos,
Arbitrários
Argh! estou farto dessa nódoa cálida
Que surrupia a suavidade do meu dia
E embota palidamente meu sorriso cansado...
Envelheci precocemente, sei.
E as rugas que marcam
Profundamente minha alma casmurra
São como fendas intransponíveis
Que me separam da eterna criança que fui
Quando nasci de novo
E agora, no ocaso de minha vida vã
Fecho os olhos e não choro
Deus se foi, não volta
Ficaram eu
Meus calos
Minhas dores
E a lembrança ôca
Daquelas belas estórias
E das verdades rôtas
Que me faziam suspirar
Esperando tropegamente
Pelos tempos melhores de além.
*Imagem: "Le mal du pays" (1941), de René Magritte.